quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sozinha

Isto de ser rainha não é tarefa fácil. Implica acreditar nas minhas convicções, lutar por elas e contra elas. Vestir o melhor fato preto todos os dias, subir o pedestal de 12 cm compensado, colocar a coroa, o perfume, a máscara o sorriso perfeito e elevar a mão direita suavemente curvada sempre que quero cumprimentar ou despedir-me de alguém.
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Entro na carruagem que eu própria conduzo e pico o ponto na torre da sobrevivência financeira ás 8:30 já depois de ter deixado castelo impecavelmente arrumado, tomado o pequeno almoço que não me é trazido à cama.
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Vivo as emoções (violentas) que me vão chegando durante o dia, de todos os lados. Tento pedir forças ao universo para que as concilie, sorrio de longe e desejo com o coração para que tudo fique bem. E fica!
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São cerca de 10 horas entre análises, relatórios, telefonemas, ansiedades e medos. Ali, fechada sem poder pedir ao mundo que pese a minha coroa e a venda na feira da ladra por favas de milagres.
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Regresso à cidade. As compras, a roupa por passar a ferro, o jantar para fazer, a cozinha para arrumar. Rainha que é rainha não precisa de criados.
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Novamente os medos e as ansiedades. Curo as dos outros e as minhas. Lambo-me o coração que arde, sustenho a respiração e sinto, agora ao fim do dia, que nada sobra que não eu própria. Atiro com os sacos das compras para o chão, onde misturo a maquilhagem que já faltava com as maças e os iogurtes magros e o jantar de amanhã, a música que me adormece e os livros que me alimentam. Desço do pedestal que me aproxima da terra os mesmos 12cm que me elevaram de manhã... e... adormeço sozinha....
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Hoje adormeço a chorar. Num sofrimento cansado. Numa impossibilidade física de voltar a sofrer. Numa saudade extrema. Num desenrolar de dúvidas que me consomem. Hoje adormeço a chorar. Porque dói. Porque dói lutar para cumprir escrupulosamente os meus planos. Porque não posso voltar a desistir. Porque simplesmente me transformei.
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Hoje adormeço, de novo, sozinha a chorar...num choro que me lava e eleva a alma, levando pedaços de mim para longe... sem que os possa voltar a encontrar.

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