Não
se pode ter muitos amigos. Mesmo que se queira, mesmo que se conheçam pessoas de
quem apetece ser amiga, não se pode ter muitos amigos. Ou melhor: nunca se pode
ser bom amigo de muitas pessoas. Ou melhor: amigo. A preocupação da alma e a
ocupação do espaço, o tempo que se pode passar e a atenção que se pode dar —
todas estas coisas são finitas e têm de ser partilhadas. Não chegam para mais de
um, dois, três, quatro, cinco amigos. É preciso saber partilhar o que temos com
eles e não se pode dividir uma coisa já de si pequena (nós) por muitas
pessoas.
Os amigos, como acontece com os amantes, também
têm de ser escolhidos. Pode custar-nos não ter tempo nem vida para se ser amigo
de alguém de quem se gosta, mas esse é um dos custos da amizade. O que é bom sai
caro. A tendência automática é para ter um máximo de amigos ou mesmo ser amigo
de toda a gente. Trata-se de uma espécie de promiscuidade, para não dizer a
pior. Não se pode ser amigo de todas as pessoas de que se gosta. Às vezes, para
se ser amigo de alguém, chega a ser preciso ser-se inimigo de quem se
gosta.
Em Portugal, a amizade leva-se a sério e
pratica-se bem. É uma coisa à qual se dedica tempo, nervosismo, exaltação. A
amizade é vista, e é verdade, como o único sentimento indispensável. No entanto,
existe uma mentalidade Speedy González, toda «Hey gringo, my friend», que vê em
cada ser humano um «amigo». Todos conhecemos o género — é o «gajo porreiro», que
se «dá bem com toda a gente». E o «amigalhaço». E tem, naturalmente, dezenas de
amigos e de amigas, centenas de amiguinhos, camaradas, compinchas, cúmplices,
correligionários, colegas e outras coisas começadas por c.
Os amigalhaços são mais detestáveis que os
piores inimigos. Os nossos inimigos, ao menos, não nos traem. Odeiam-nos
lealmente. Mas um amigalhaço, que é amigo de muitos pares de inimigos e passa o
tempo a tentar conciliar posições e personalidades irreconciliáveis, é sempre um
traidor. Para mais, pífio e arrependido. Para se ser um bom amigo, têm de
herdar-se, de coração inteiro, os amigos e os inimigos da outra pessoa. E fácil
estar sempre do lado de quem se julga ter razão. O que distingue um amigo
verdadeiro é ser capaz de estar ao nosso lado quando nós não temos razão. O
amigalhaço, em contrapartida, é o modelo mais mole e vira-casacas da moderação.
Diz: «Eu sou muito amigo dele, mas tenho de reconhecer que ele é um sacana.»
Como se pode ser amigo de um sacana? Os amigos são, por definição, as melhores
pessoas do mundo, as mais interessantes e as mais geniais. Os amigos não podem
ser maus. A lealdade é a qualidade mais importante de uma amizade. E claro que é
difícil ser inteiramente leal, mas tem de se ser.
Miguel Esteves Cardoso
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